Até quando, Matheus?

Conversas comigo mesmo. Texto transcrito de outro (aquele sim, fantasioso, publicado aqui mesmo há tempos).

London

Cansado da leitura, mas antes de desligar o micro, Matheus lhe vem às idéias. Você fica pensando, sem resposta: será mesmo ainda um restinho de paixão, depois de tantos anos? Não, claro que não, imagina! Ah, para, cara! Nós sabemos, não se engane. Você se lembra dele quase todos os dias! Sabe, ou pensa saber, que nunca pôde ser seu, que nunca poderia ter estado com ele. E que ele não seria seu nem de nenhum outro. Está certo disso, convicto desde sempre. Nem em sonho esteviveram próximos um dia. Sabe bem só uma coisa: gostaria que tudo tivesse sido diferente. E esse sentimento é revelador da paixão negada.

Mas, lá no intimo, escondidinho de tudo e de todos, está a imagem de que ele esteve ali, a dizer, sorrindo, maroto, que muitos viram, que só você não viu, só você não se sentiu capaz de tê-lo, possuí-lo, ser possuído. Faltou-lhe coragem, isso sim! Ou, muito antes, faltou-lhe considerar-se capaz. Não acreditou que tivesse dotes suficientes, fossem quais fossem esses requisitos imaginários, fantasiosos, que mais serviram para evitar qualquer tentativa de relacionamento do que justificativa verdadeira para seus fracassos. Derrotas que nem isso foram, pois nunca tiveram mesmo a vontade de ser vitórias, seja lá o que isso significasse. Aliás, nessas áreas, coisa que nunca saberá: o que é sucesso, o que é vencer na vida?

Um dia, você se foi. Cansado e sem nenhum adeus, apenas chegou a ele e disse que estava indo embora, partindo para outro emprego. Matheus não alterou um músculo da face, mas não teve cinismo suficiente para esconder que estava, no fundo, feliz. Um competidor a menos, embora você não se visse, nunca tivesse se visto como tal. Seria o esperado de alguém tão competitivo, tão bem treinado nas artes de passar a perna no mundo corporativo, hábil que sempre foi em vender uma imagem que, se comprada, se desmancharia facilmente antes mesmo da primeira chuva. Mas não se desmanchou. O que demonstrava que, ou Matheus era melhor do que seu despeito permitira ver, ou era mais habilidoso do que todos puderam entender.

No fundo, ele estava feliz, sabiam ambos disso. Era uma pedra no caminho, mas dessas pedras que não se sabem pedras, que nem se imaginam empecilho à carreira do outro. Disse apenas “será melhor pra você assim”. Nem um seja feliz, nem um obrigado, nem um até breve. Nunca mais se viram. Há seis anos, embora morando na mesma cidade — que nem chega a ser assim tão grande que pudesse justificar a probabilidade de um não-encontro, casual que fosse.

Noite avançada, sozinho, ele volta. Ou faz a aparição que ultimamente tem sido quase diária. Coisas nunca começadas ou mal resolvidas são mesmo assim. Vão, mas ficamos sempre desejando, à espera de um reencontro esclarecedor, um novo diálogo, um conversa como nunca tiveram, nunca terão: desarmados, desinteressados ambos, incógnitos de tudo e de todos, para, ao menos uma única e última vez, serem verdadeiros um diante do outro, saberem o que uma alma via e sentia verdadeiramente da outra. Falarem, ao menos hoje, ao menos uma vez, o que sentem agora, afastados no tempo, no espaço, sem disputas, sem objetivos que não a paz eterna, numa espécie de simples acerto de contas, ou apenas um olá-adeus-me-esqueça, onde tudo pudesse ser dito: o que foi, o que nunca poderia ter sido, o que gostariam que tivesse sido e já nunca mais será. O que um nunca pensou que o outro quisesse, que o outro nunca pensou desprezar quem lhe desejava. Partirem, então, para até nunca mais, oi até breve! Sabe-se lá! Se não nesta vida, talvez na próxima, se houver outras. Mas, será? Haverá outras? Melhor sonhar. Mas nem nos sonhos ele voltou. Só mesmo nessas súbitas e agora insistentes visões de seu desejo reprimido. Admita, de uma vez por todas.

Criou um fake e, na segurança do anonimato, resolveu bisbilhotar Matheus no Facebook. Fácil: lá está ele! exibicionista como sempre. Surpreso, lê “mora em Londres!” Um frio percorre levemente a espinha. Então, um veio, o outro se foi, para o mesmo lugar! Provavelmente, terão andado próximos por vários meses, dividindo, quem sabe, o mesmo trem do metrô… Quem sabe até andaram quase se esbarrando por lá num encontro casual no meio da multidão desesperada para ver, conhecer, ganhar. (não, isso seria muito clichê, convencional, hollywoodiano, censura-se).

Agora, você voltou; Matheus está lá. E deve ser definitivamente. Está seguro, ou prefere pensar que está, de que há algo além, do além, que o mantém vivo, próximo. Mas, o mesmo além parece também dizer: sonhar, desejar, tudo pode, especialmente, talvez, o afastamento eterno. Muitas coincidências! Até quando?
Decide que não quer mais. Resolve escrever uma carta a Matheus, antes que seja tarde.
Uma carta que nunca será lida por quem deveria.

Pensando bem, melhor assim!

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8 respostas para Até quando, Matheus?

  1. Lucas disse:

    Rapaz! Eu li umas 3 vezes… tá complexo demais! E olha que eu leio Kant tranquilamente. (rsrs) Como a narrativa não está linear, mais parecendo aqueles fractais mudando de direção o tempo todo, acabei me prendendo na riqueza das imagens. Mesmo sem entender onde tudo isso me levava.

    Beijos.

  2. Tb achei dificil de ler, mas essa é a graça né? Tenho um Matheus na minha vida tb.

  3. Cesinha disse:

    Hum… não sei se é tão difícil de entender. Não é um “diálogo” com você mesmo? Quando eu bato papo comigo sempre acontece assim… uma sequência de pensamentos, uma explosão de sensações! Não tento achar “lógica” nisso. Aliás, são esses momentos da “gente com a gente” que levantam os pontos cruciais de nossas vidas.

    Beijos

    OS: Como eu prometi, segue o link para a seleção das músicas do Patrick Watson. É o meu gosto, tá bom! Eu ouvi os 5 albuns que ele gravou e gostei mais dessas.

    http://rapidshare.com/files/2719573448/0%20PW.zip

    • Obrigado pela atenção e pelo carinho!
      Vou ouvir e curtir muito.
      Sim, é um diálogo comigo mesmo, mas se eu resolvi publicar, tinha que ter trabalhado melhor o texto, mas a precipitação, a pressa… como sempre! Vou ficar mais atento!
      Beijo, no coração!

  4. Alex, muito bom, muito bom! Um texto leve e sutil, mas que não deixa de expressar aquela angústia que fica quando as coisas são mal resolvidas. Gosto do seu jeito de escrever. 😉 Abraço, Ana Beatriz.

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