um menino que gostava de meninos – 4

Fica sempre uma dúvida sobre o que contar, como contar, o que pode interessar a quem vai ler. Mas, como imagino aconteça com quase todos amadores que escrevem alguma coisa, um caro diário, um blog, cartas, antes de esperar que vistos por outros, escrevemos para que sejam lidos por nós mesmos, numa releitura da vida, necessária, mesmo quando a vida é simples, simplória. Mesmo quando não há nada de excepcional a contar. Grandiosa e a própria experiência, a vida.

Comecei essa série com a idéia de que eu desde sempre fui diferente dos não gays. Certo nunca vou estar, pois precisaria entender também a vida de um heterossexual convicto, assumido, sem dúvidas, mas nunca pude conversar honesta e abertamente com nenhum deles a respeito disso, tentar saber como foram suas primeiras descobertas, como foram vividas, as sensações, os medos. Sempre imagino que as experiências alheias foram muito distantes das minhas. Tolice, bem sei! Ou viveram algo parecido, com diferente interpretação e escondem tudo como segredos de organização clandestina, como mandamentos de irmandade secreta. Talvez tenham feito algum juramento de que jamais tocariam no assunto. Enterraram tudo: homem não fala sobre essas coisas; é feio, tudo muito feio… coisa de … Só os gays e, assim mesmo, nem todos parecem ter alguma coragem, abertura, pra confessar… receio de parecer tolo e depravado ao mesmo tempo. Será?

Nessa descoberta, nessa reescrita, reanálise, repensar das coisas que me formaram, é preciso antes de tudo sinceridade. Falar sobre bullying sofrido, sobre sentimentos de desprezo e solidão é mais fácil do que conversar sobre aquilo que me deu algum prazer. Sim, nem só de medos e complexos vivemos. E nisso eu não fui muito diferente…

quadro tuke

Ah! A primeira vez em que vi um monte de adolescentes pelados… Nunca vou me esquecer. E, desculpe-me se você não gosta, mas a cena pra mim era bonita. Senti prazer naquilo. Sabia que era proibido e feio ter interesse em olhar – afinal, para todos aquilo tudo era muito natural. Tinha que espiar de rabo de olho… mas era bonito, gostoso, ver aqueles colegas todos… nus. Como se eu tivesse sido levado a um outro mundo. E de fato era, um mundo que eu desconhecia. Pena que as cenas eram rápidas e sem replay.
O vestiário de nosso colégio havia sido inaugurado há pouco. Uns dez chuveiros separados por divisórias, mas sem portas. Banho escondido? Não tinha como! Poucos tomavam banho após as aulas de educação física. Outros se aventuravam a tomar de cueca… e eram logo ridicularizados pela timidez manifesta, por não terem o que mostrar, diziam os mais exibicionistas. Como muitos homens desde muito cedo se mostram exibicionistas, não? Muitos ainda nem entrados na adolescência, outros já completos, ou perto disso. Naquela diversidade de idades, havia uns que, como eu, com onze ou doze anos, ainda eram crianças. Outros da mesma idade já traziam seus pequenos bigodinhos nas partes baixas, prenúncio das futuras florestas. Esses todos eram meio sem graça de se ver. Os que chamavam minha atenção — e a de muitos outros, embora ninguém jamais admitisse sequer que tinha visto – eram os poucos já crescidos, já peludos, com seus quinze ou dezesseis anos. Uma disparidade incrível, de difícil compreensão para um ignorantezinho que não sabia nada da vida… Ali descobri que meu primo era fichinha. E que cresciam pelos. — Não, eu até então não fazia idéia de como evoluia o corpo do homem. Nunca tinha visto um adulto nu, nem falado, nem lido, nem ouvido nada a respeito.

Confesso, sem receio, sem espanto, que fiquei mesmo maravilhado com aquela visão! Se até então eu só conhecia meus dois primos atrevidos, aquela nova revelação me mostrava um paraíso masculino que me deixava meio bêbado, encantado, com o coração saindo pela boca… Tinha vontade de ficar olhando, poder ver cada um com atenção, ser uma mosca nos chuveiros, um por vez… Uns não tinham grande coisa a mostrar, mas eu os admirava assim mesmo: tinham coragem, eram homens, sem dúvida. Pareciam ter a certeza de que logo alcançariam os outros. Não se importavam em ser ainda pequenos, minúsculos, impúberes. Traziam em si a confiança embasada numa bem construída autoestima. Nunca seriam inferiores. Não se sentiam assim. Seriam homens, iguais.

Mas havia outros que despertavam maior curiosidade. Um exótico, como Marcelo, loiro com pelos negros como carvão. E o campeão de minha atenção, e dos raros cometários entre os colegas, Fernando, o mais velho da turma. Ficava no chuveiro do canto, próximo à entrada. Pela frente do seu chuveiro todos tinham que passar.

E ele visivelmente se deliciava em tomar seu banho demorado, em nu frontal para quem passasse. Era já bem desenvolvido, avantajado, adulto. Não faria feio em lugar algum, e sabia disso, e ainda era bonito! Péssimo estudante, tirava só notas baixas, tinha repetido não sei quantos anos, colava nas provas, roubava meus lanches e, pelo menos dizia, frequentava os puteiros da cidade. Já conhecia todos os mistérios carnais da vida adulta que estavam destinados a um homem de verdade, segundo ele. Não era maconheiro. Uma exceção, portanto. Sei que, hoje, chamar alguém de maconheiro parece piadinha de jardim de infância, mas no tempo da minha aldeia, a transgressão máxima ainda era alguém ser maconheiro… Ah, e “veado”, claro! Mas isso, se havia algum, vivia mais escondido do que meu medo de ser um deles. Acusados sim, muitos. Naquela escola, ser bom aluno já era motivo para ser chamado de “veado”, bichinha. Talvez porque, numa incompreensível coincidência, só os mais delicados dedicavam-se aos estudos com um mínimo de empenho.

Por que essas imagens tão distantes me vem à cabeça? Porque, desde então, fiquei fascinado por ver nus! Um prazer nunca saciado. Nunca frequentei clubes, cachoeiras, rios, praias de nudismo, onde pudesse vê-los, sem medo; onde aquelas cenas, diziam e eu imaginava, seriam rotineiras e naturais: nus à vontade… poder ver sem medo todos os corpos, com olhar maravilhado de menino encantado com o que vê, que fica fascinado, invejando… — Como é possível? Porque uns tem tanto? Que poder de sedução é esse?
Pecado? Coisa suja? Pervertido? Pode chamar como quiser, mas eu, por muito tempo, não me livrei desse vício quase secreto. Não tinha oportunidades, mas vontade não faltava. Que alegria sentia em apreciar um belo corpo… Voyeur… desde criança…

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8 respostas para um menino que gostava de meninos – 4

  1. ah, eu lembro dos meus amigos se pegando isso sim… já te contei isso: havia um clubinho de meninos que se comiam na minha rua. aqui ninguém ficava apenas nos olhares, eles já se comiam todos.

  2. fred disse:

    Gente… que maravilha isso! Coisa pra se ler na cama… bem esparramado, curtindo cada letrinha… hehehe! Voyeur desde criança é óteeemooooo!
    E em minha defesa: nos anos 80 eu não era jeca. No máximo era meio jeca, tzá? Hahahahaha! Bjos!

  3. Sério , uma pérola , vs escreve muito bem … escrever antes de qualquer um , para nos mesmos!

  4. fred disse:

    Que bom que curtiu e – como eu esperava – entendeu que o texto servia apenas para colocar minha experiência com a questÃ… concorda – e discorda – quem quiser, nzé? Bjonas!

  5. Margot disse:

    Oi Alex…cheguei de novo…rssr
    Lendo seu texto fiquei pensando como foi lirica a forma como vc viu os nus e como lirica está sua maneira de descrevê-los. Suave e sem exagero, se parecem com as cenas das pinturas de nus(banhos) de Henry Scott Tuke(Gosto muito dele). São pinturas que nos enlevam e seus textos/memórias tem sido assim. Voce ainda continua ingenuo…. a fascinação em ver um corpo de garoto nu…. sim… é fascinante Alex… eu também acho. A perfeição das formas, a força implícita… a suavidade nas curvas…. maravilhoso!!! Eu te entendo.
    Beijos

  6. LINARD disse:

    Para entender esse olhar infelizmente precisa ser dotado de tal conhecimento que poucos possuem, mas não devemos nos calar diante das pressões, se não falarmos abertamente sobre esses assuntos que para a maioria é tabu, não contribuiremos para a liberdade de expressão. Confesso que fiquei excitado sim, porém existem muitas outras coisas na arte que me excita.
    Amei. #prontofalei.

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